01 agosto 2013

SANTA CEIA, 100X100 CM,2013


Amador Ribeiro Neto é poeta e mestre em Teoria Literária pela USP e doutor em Semiótica pela PUC/SP, publicou artigo no jornal CONTRAPONTO sexta passada, dia 26. Sobre a obra do consagrado artista plástico Paraibano Alexandre Filho.


ALEXANDRE FILHO: NOSSO PINTOR NAÏF
Amador Ribeiro Neto.

Alexandre Filho nasceu em Bananeiras, no interior da Paraíba. Sua pintura está espalhada pelos quatro cantos do mundo. Vários museus brasileiros e estrangeiros têm em seu acervo obras dele, como o Musée D' Art Naif de L' Ile de France – Vicq, Paris, o Museu da Cidade do Rio de Janeiro e o Museu da Pampulha, Belo Horizonte.
Nos anos 50 foi para o Rio de Janeiro e lá fez carreira até meados dos anos 80. Hoje vive em João Pessoa. Continua pintando com a qualidade e a marca personalíssima de sempre. Seu nome: Alexandre Filho.
Descobrir seu trabalho me impôs, de imediato, uma revisão dos conceitos de pintura naïf e de abstracionismo geométrico. Suas telas têm a beleza substantiva de um grande poema. O encanto mais perceptível, que descritivo, da música minimalista. A assepsia valéryana do objeto “per si” e não veículo de odisseias narrativas.
Em Alexandre Filho o contorno limpo da linha circunscreve figuras de cores vivas e puras. A sombra e os reflexos foram banidos da tela. Valem agora o rigor e o despojamento das formas construídas com a liberdade da composição dos planos.
A sutilíssima perspectiva, mais linhas e cores puras põem em cheque o olhar convencional e instauram novo campo de visão. Esta característica, que é por si mesma a negação do primitivismo ortodoxo, configura-se como a grande sacada da pintura primitiva de Alexandre Filho.
A primeira vez que se vê seu trabalho, os olhos, diante de tanta limpidez, embaralham-se. A pureza das linhas e das cores opera com a exatidão dos geômetras, dos engenheiros, dos calculistas. No entanto, a racionalidade é apenas o toque de campainha para um portal que só se entrega depois, bem depois. Depois de o olhar “parar de pensar” e aceitar apenas “olhar”. E olhar-se com outros olhos, com olhos livres que acatem o chamamento da pintura limpa.
Na verdade, Alexandre Filho vale-se dos recursos da pintura primitiva, como se convencionou nomear a esta pintura que pauta-se pela não incorporação de recursos acadêmicos do ato de pintar, como o uso da perspectiva propriamente dita, da proporcionalidade, das harmonias de formas e das cores, etc., para ultrapassá-los. E abrir diálogo com a pintura abstrata.
Nem falo da dimensão barroco-tropical desta pintura que, na certa, faria as delícias de dois ensaístas e prosadores cubanos, de repercussão internacional, Lezama Lima e Severo Sarduy. Ambos teorizaram sobre a especificidade de um barroco latino-americano – e ambos criaram obras literárias neobarrocas.
Nas telas de Alexandre Filho há uma só linha e um só uso da cor. Nisto sua pintura é naïf. Mas nisto ela também é abstrata, entendendo por abstracionismo a depuração das formas, que leva à geometrização.
É impossível ver Alexandre Filho e não se lembrar de Mondrian.
Parece inconcebível. Pode soar paradoxal. Mas um olhar mais atento nos revela que por trás das formas barrocas de Alexandre Filho há a desconstrução do campo visual barroco, múltiplo, complexo, saturado, artificioso, para se chegar à depuração de linhas e formas chapadas. Alexandre Filho incorpora a curva para pulverizá-la na interação com a cor. O resultado é uma pintura do rigor e do despojamento.
Esta linha recorda ao olhar a limpeza renascentista, a simplicidade primitivista, o depuramento abstracionista-geométrico e o artifício barroco. Certo, mas são as mesmas linha e cor que se põem contra e acima destas referências.
Na somatória, a pintura presentifica tais referências estéticas para realçar a especificidade de um produto único. O produto Alexandre Filho Filho. Produto singular. Sem clones.
A opção de Alexandre Filho pela cor chapada, compacta, pura e pela linha limpa, de contorno exato, fazem deste pintor um Mondrian figurativista. O próprio Mondrian, que começou figurativista e depois centrou-se no geometrismo, jamais concebeu a possibilidade de um figurativismo depurado com as formas e as cores do geometrismo.
É isto que Alexandre Filho faz: serpenteia pelo barroco e pelo abstracionismo produzindo uma pintura primitivista que faz a cabeça dos melhores consumidores de artes plásticas deste país – e até do mundo.
Assim como num poema o assunto é o que menos interessa na abordagem estética. Também na pintura de Alexandre Filho o tema é um suplemento de que o pintor se vale para exibir a mineralidade de suas formas, a organicidade de suas cores, a "pinturidade" de sua pintura.
Por isto mesmo a narrativa, invencionice aberta a delírios e desejos irrestritos – concebida como catarse das sublimações – esta narrativa não interessa nas telas de Alexandre Filho, a não ser como ponto de partida de um discurso que deve ater-se ao ato de fazer pintura.

CRISTO REDENTOR,1970